A importância de celebrar as Baianas,patrimônio cultural imaterial da Bahia
Eu sou uma mulher branca baiana. Ou uma baiana branca e mulher. Ou, ainda, uma branca mulher baiana. Essas três características me definem desde o meu nascimento em uma cidade majoritariamente negra e, por isso, sei exatamente o meu lugar de fala, quando devo calar e ouvir. E passei os últimos dias ouvindo. Estou, claro, falando da repercussão da festa de Donata Meirelles, em Salvador, nesta sexta-feira, no Palácio da Aclamação. À parte toda a discussão que se criou, foi uma festa linda, impecável, alto astral, com comida boa – de quase todos os grandes chefs baianos, como Dadá, Angeluci Figueiredo e Edinho Engel -, com um mix de convidados de todas as partes do Brasil e, ainda, um show inesquecível de Caetano Veloso com a Orquestra Rumpilezz. Mas quando acordei, no sábado, comecei a ver que alguma coisa tinha dado margem a interpretações diferentes das idealizadas.
Quando as fotos da festa começaram a rodar pelo Instagram, muitas pessoas começaram a questionar a escolha do figurino das recepcionistas da festa. Todas negras, vestidas de branco. Para alguns desses críticos, remetia à época da Casa Grande e Senzala, da Sinhá e suas Mucamas. Fizeram até referência a um "trono de Sinhá", associando a cadeira do Candomblé, que via-se várias espalhadas pelo ambiente para as pessoas se sentarem, a um trono imperialista. Mas é claro, óbvio e lógico que nunca, em momento algum, tenha passado pela cabeça de Donata, da organização da festa ou de quem quer que seja que a ideia de colocar as Baianas – patrimônio cultural imaterial do Estado – com suas roupas de festa para receber os convidados de uma festa fosse ser encarado como uma exaltação à escravidão.
As Baianas, como em toda festa na Bahia – inclusive na recepção do aeroporto de Salvador – são grandes atrações. E não foi diferente na celebração de sexta-feira. Elas eram a nossa primeira impressão do que estava por vir. E eu, como mulher branca baiana me senti, assim que entrei, no Pelourinho, numa festa de Largo, na Lavagem do Bonfim ou no Rio Vermelho no Dia de Iemanjá. E não em um Brasil de centenas de anos atrás rodeada de escravas. Porque não é assim que a gente, na Bahia, vê as Baianas. É claro, também, que o fato de a festa ter tido como convidados muito mais brancos do que negros, que fotografaram ao lado das Baianas – como qualquer turista faz em qualquer esquina da cidade- colocou ainda mais combustível na discussão.
A falta de equilíbrio entre o número de negros como convidados e brancos na festa de Donata é culpa do racismo estrutural que ainda impera no país. Ele impede, há muitos anos, a ascensão social dos negros. E isso não é culpa de uma pessoa. Mas de anos e anos de uma opressão – opressão esta que nunca foi celebrada na festa da qual participei. Muito pelo contrário. Não estou aqui para defender branco nenhum. Nem a mim mesmo. Porque ninguém está imune a ser criticado. Críticas, aliás, são sempre bem-vindas, quando tem o objetivo de nos tornar pessoas melhores, de nos fazer questionar o status quo e algumas atitudes que tomamos sem perceber. Mas o que tenho visto nas redes sociais é uma vontade de linchamento, de humilhação e de enfrentamento sem que se ouça o que o outro quer, de fato dizer. Ninguém se ouve. Todo mundo só grita. Todo mundo tem uma opinião, que é a única que vale, e quer que o outro a ouça, nem que seja na marra, no berro, no tiro.
É claro que as fotos postadas, tiradas do contexto em que estavam inseridas dentro de toda a ideia de festa, podiam dar – e deram – margem a muitas interpretações. Mas me espanta um pouco quando as pessoas veem uma Baiana – repito, patrimônio cultural imaterial do estado em que nasci – e, imediatamente, a associam a uma escrava. As baianas mulheres negras são muito mais do que essa associação direta e merecem respeito.
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